GINCHIN FUNAKOSHI

Ginchin Funakoshi

O Pai do Karatê Moderno. Nascido em 1868 em Shuri, Okinawa, NihonMorreu em 1957 em Tokyo, Nihon. Em Novembro de 1868 nasce Gichin Funakoshi em Shuri, Okinawa, no ano da Restauração Meiji, filho único. A família Tominakoshi (designação formal da famíla ) possui o título Shizoku ("pequena aristocracia") e Gichin é neto de um confucionista que ensinara membros da família real - Gisu Tominakoshi. Tendo nascido como prematuro Gichin há-de ter uma saúde débil por toda a infância. Logo após o nascimento foi levado à casa de seus avós maternos, onde foi educado e aprendeu poesias clássicas chinesas. No primário conheceu o filho de Yasutsune Azato, membro de uma das famílias mais respeitadas e especialistas em To-de (anterior designação de Karatê).
Em 1880 começa a praticar To-de em Okinawa, sob a orientação de Yasutsune Azato. A carta de recomendação do jovem é entregue a Azato por seu avô Gisu Tominakoshi. O médico da família - Tokashiki - apóia esse procedimento, como método de reforço da saúde do jovem. É provável que Funakoshi , antes de se tornar discípulo de Azato, tenha estudado durante um curto período com Taitei Kinjo, conhecido como "punho de ferro" pela sua capacidade de derrubar um touro com um único murro. Funakoshi posteriormente conheceu e treinou com outros mestres, tais como: Yasutsune Itosu, Sokon Matsumura, Kanryo Higaonna, Kiyuna, Toono (originário de Naha) e Niigaki. Como na época a prática de artes marciais era proibida em Okinawa, os treinos eram realizados à noite, no quintal da casa do Mestre Azato. Lá ele aprendia a socar, chutar, e mover-se conforme os métodos praticados naqueles dias. O treinamento era muito rigoroso. Mestre Azato tinha uma filosofia de treinamento que se chamava "Hito Kata San Nen", ou seja, "um Kata em três anos". Funakoshi estudava cada Kata a fundo, e então, quando autorizado pelo seu mestre, seguia para o próximo...
Enquanto praticava no quintal de Azato com outros jovens, outro gigante do Karate, Mestre Itosu, amigo de Azato, aparecia e observava-os fazendo Kata e fazendo comentários sobre suas técnicas. Era uma rotina dura que terminava sempre de madrugada sob a disciplina rígida do mestre Azato, do qual o melhor elogio se limitava a uma única palavra: "Bom!". Após os treinos, já quase ao amanhecer, Azato falava sobre a essência do KarateApós vários anos, a prática do Karate deu grande contribuição para a saúde de Funakoshi . Ele gostava muito do Karatê, mas como não pensava que pudesse fazer dele uma profissão, inscreveu-se e foi aceito como professor de uma escola primária, em 1888, aos 21 anos, aproveitando toda sua cultura adquirida desde a infância, profissão que exercerá até 1921 (sem que lhe tenha sido jamais registrada uma falta por doença).Em 1902 lidera uma demonstração de To-de (Okinawa-te) perante Shintaro Ogawa, que era então inspetor escolar da prefeitura de Kagoshima, à escola de Funakoshi em Okinawa, contribuindo para o reforço do ensino da disciplina nos liceus da região. Funakoshi impressionou bastante devido ao seu status de educador. Ogawa ficou tão entusiasmado que escreveu um relatório ao Ministério da Educação elogiando as virtudes da arte. Foi então que o treinamento de Karatê passou a ser oficialmente autorizado nas escolas.
Até então o Karatê só era praticado atrás de portas fechadas, mas isso não significava que fosse um "segredo". As casas em Okinawa eram muito próximas umas das outras, e tudo que era feito numa casa era conhecido pelas oito casas adjacentes. Enquanto muitos autores pregam o Karatê como sendo um segredo àquela época, ele não era tão secreto assim. O Karatê era "oficialmente" secreto (do mesmo modo que os Estados Unidos nunca penetraram no Camboja durante a guerra do Vietnã).
Contra os pedidos de muitos dos mestres mais antigos de Karatê, que eram a favor de manter tudo em segredo, Funakoshi trouxe o Karatê, com a ajuda de Itosu, até o sistema de escolas públicas. Logo, crianças na escola estavam aprendendo Kata como parte das aulas de Educação Física. A redescoberta da herança étnica em Okinawa era moda, então as aulas de Karatê em Okinawa eram vistas como uma coisa legal.
Em 1903 apresenta o primeiro programa pedagógico para a prática de To-de (Okinawa-te) nos liceus de Okinawa.
Em 1906 morre um dos seus grandes Mestres - Yasutsune Azato. No mesmo ano Gichin Funakoshi organiza a primeira exibição pública de To-de em Okinawa. Nasce o seu terceiro filho Yoshitaka (ou Gigo).Alguns anos depois, o Almirante Rokuro Yashiro (na época Capitão) assistiu a uma demonstração de Kata. Essa demonstração foi feita por Funakoshi junto com uma equipe composta por seus melhores alunos. Enquanto ele narrava, os outros executavam Kata, quebravam telhas, e geralmente chegavam ao limite de seus pequenos corpos.
Funakoshi sempre enfatizava o desenvolvimento do caráter e da disciplina nas suas narrações durante essas demonstrações. Quando ele participava, gostava de executar o Kata Kanku Dai, o maior do Karate, e talvez o mais representativo. Yashiro ficou tão impressionado que ordenou a seus homens que iniciassem o aprendizado na arte.
Em 1912 militares da Marinha Imperial Japonesa são mandados a Okinawa para aprender To-de (Okinawa-te), e treinam sob a orientação de Gichin Funakoshi . A Primeira Esquadra Imperial da Marinha ancorou na Baía de Chujo, sob o comando do Almirante Dewa, que selecionou doze homens da sua tripulação para estudarem Karatê durante uma semana. Foi graças a esses dois oficiais da Marinha que o Karatê começou a ser comentado em Tokyo. Os japoneses que viam essas demonstrações levavam as histórias sobre o Karatê consigo quando voltavam ao Japão. Pela primeira vez na sua história, o Japão acharia algo na sua pequena possessão de Okinawa além de praias bonitas e o ar puro.
Em 1913 Gichin Funakoshi organiza uma equipe de demonstrações de To-de (Okinawa-te) que, nos dois anos seguintes, realizará centenas de exibições perante milhares de espectadores por todo o território de Okinawa. Integram este grupo personalidades que tornaram-se famosas no panorama do Karatê, tais como: Choki Motobu, Chotoku Kyan e Kenwa Mabuni.
Em 1915 morre o segundo principal Mestre de Funakoshi - Yasutsune Itosu.
Em 1917 no Botoku-den de Kyoto efetua-se a primeira demonstração de To-de (Okinawa-te) fora de Okinawa, a qual é liderada por Gichin Funakoshi .
A 6 de Março de 1921 o príncipe herdeiro Hirohito assiste a uma demonstração de To-de (Okinawa-te) liderada por Gichin Funakoshi no grande hall do Castelo de Shuri. Chojun Miyagi participa igualmente nesta demonstração. Por causa disso, no final desse mesmo ano, Funakoshi foi convidado para fazer uma demonstração de Karate em Tokyo, numa Exibição Atlética Nacional.
Ele aceitou imediatamente, acreditando ser esta uma ótima oportunidade para divulgar a arte. Sua demonstração de Kata foi um sucesso. Ele pretendia retornar logo para Okinawa mas, depois da exibição, Funakoshi foi cercado por pedidos para ficar no Japão ensinando Karatê. Uma das pessoas que pediu para que ele ficasse Jigoro Kano, o fundador do Judô e presidente do Instituto Kodokan. Funakoshi resolveu ficar mais alguns dias para fazer demonstrações técnicas no próprio Kodokan.
Algum tempo depois, quando se preparava novamente para retornar à Okinawa, foi visitado pelo pintor Hoan Kosugi, que já tinha assistido a uma demonstração de Karatê em Okinawa e pediu que ele lhe ensinasse a arte. Mais uma vez sua volta foi adiada. Funakoshi percebeu então que se ele quisesse ver o Karatê propagado por todo o Japão ele mesmo teria que fazê-lo. Por isso resolveu ficar em Tokyo até que sua missão fosse cumprida.
No Japão, Funakoshi foi ajudado por Jigoro Kano, o homem que reuniu tantos estilos diferentes de Jiu Jitsu para fundar o Judô. Kano tornou-se amigo íntimo de Funakoshi , e sem sua ajuda nunca teria havido Karatê no Japão. Kano o introduziu às pessoas certas, levou-o às festas certas, caminhou com ele através dos círculos sociais da elite japonesa. Mais tarde naquele ano, as classes mais altas dos japoneses se convenceram do valor do treinamento do Karatê. Funakoshi fundou um Dojo de Karatê num dormitório para estudantes de Okinawa, em Meisei Juku. Ele trabalhou como jardineiro, zelador e faxineiro para poder se alimentar enquanto ensinava Karatê à noite.
Ainda no mesmo ano Funakoshi funda e passa a presidir à Shobukai de Okinawa (Associação para a Promoção do Espírito das Artes Marciais de Okinawa). Em conseqüência resigna à sua profissão de professor.
Em 1922 Jigoro Kano efectua a sua primeira visita oficial a Okinawa e efectua um discurso acerca do Budo japonês que inspira os praticantes locais de To-de (Okinawa-te) a darem a conhecer a sua arte.
Nesse mesmo ano a 1 de Abril o Ministério da Educação organiza a "Primeira Exibição Atlética Nacional" em Tóquio onde se exibem diversas artes marciais. O To-de (Okinawa-te) é uma das artes convidadas e Gichin Funakoshi é escolhido, pelos diversos peritos de Okinawa, para liderar a demonstração, a qual constitui a primeira apresentação pública de To-de ao público de Tóquio.
A 17 de Maio, na sequência da exibição pública de To-de (Okinawa-te), Gichin Funakoshi realiza, a convite de Jigoro Kano, uma demonstração no Kodokan. Nessa demonstração Funakoshi solicita ao seu discípulo Shinken Gima que demonstre a kata Naihanchi (mais tarde denominada Tekki). Nesta ocasião Funakoshi fabrica com as suas próprias mãos, para si e para o seu discípulo os primeiros Karate-gi, inspirados no Judo-gi.
Em Junho Gichin Funakoshi publica um artigo sobre To-de (Okinawa-te) no jornal Tokyo Nichinichi. É o primeiro artigo publicado sobre esta arte fora de Okinawa. As primeiras aulas são dadas aos membros do Tabata Poplar Club (uma guilda artística) e a primeira escola é aberta no Meisei Juku - um dormitório para estudantes originário de Okinawa - situado no bairro Suidobata em Tóquio.
Ainda no mesmo ano a editora Bukyosha traz a público o primeiro livro de Gichin Funakoshi : Ryu-kyu Kempo: To-de". O artista Hoan Kosugi desenha, para a capa do livro, o famoso "Tigre" que tornou-se o símbolo da arte de Funakoshi . Na introdução daquele livro ele já dizia que "...a pena e a espada são inseparáveis como duas rodas de uma carroça".
Ainda no ano da sua chegada a Tóquio, Funakoshi recebe um aluno muito especial: trata-se de Hironori Ohtsuka, na altura já um experiente praticante de Jiu-jitsu com 17 anos de prática. Tinha ouvido falar de Gichin Funakoshi , procurava-o, e decidira tornar-se seu discípulo. Ohtsuka praticará sob a orientação de Funakoshi durante os próximos nove anos.
Em 1º de setembro de 1923 as instalações do Meisei Juko, onde Gichin Funakoshi reside, trabalha e dá aulas, são destruídas por um enorme terremoto. Destruiu as placas de seu livro, e levou alguns de seus alunos com ele. Ninguém morreu com o tremor, os incêndios que provocaram as mortes. O terremoto ocorreu durante a hora do almoço, no momento em que cada fogão a gás no Japão estava ligado. Os incêndios que ocorreram a seguir eram monstruosos, e maioria da vidas perdidas se deveu ao fogo. Este livro teve grande popularidade e foi revisado e reeditado quatro anos após o seu lançamento, com o título alterado para: "Rentan Goshin Karate Jutsu".
Em 1924 Yoshitaka (Gigo) Funakoshi vai viver para Tóquio e passa a morar com seu pai. Embora praticante de To-de (Okinawa-te) Yoshitaka (Gigo) Funakoshi dedica apenas parte do seu tempo à prática já que estuda no laboratório de radiologia da Universidade de Tóquio, onde virá a obter o diploma de "Técnico de Radiologia", passando então a trabalhar nesse mesmo local e no Ministério da Educação.
No mesmo ano, Hakudo (Hiromichi) Nakayama (o fundador do moderno Iai-do) ao tomar conhecimento que Funakoshi não tem onde dar aulas, oferece-lhes os horários livres do seu dojo de kendo, situado em Kyobashi, Tóquio. Adota então um esquema de graduações (kyu, dan) semelhante ao do Kodokan. Todos os karatecas usam agora o Karate-gi branco (semelhante ao judo-gi porem mais ligeiro) que Funakoshi introduzira pela primeira vez na demonstração no Kodokan em 1921. Os dan's passam a usar cinto negro. É fundado o primeiro clube universitário na universidade de Keiho (a convite do professor Shinyo Kasuya, do Departamento de Línguas Germânicas).
Em 1925, Funakoshi começou a pegar alunos dos vários colégios e universidades na área Metropolitana de Tokyo, e nos anos seguintes, esses alunos começaram a fundar seus próprios clubes e a ensinar Karatê a estudantes destas escolas. Como resultado, o Karatê começou a se espalhar por Tokyo. No início da década de 30 haviam clubes de Karatê em cada universidade de prestígio de Tokyo. Mas por que estava Funakoshi conseguindo tantos jovens interessados em Karatê desta vez? O Japão estava fazendo uma Guerra de Colonização na Bacia do Pacífico. Eles invadiram e conquistaram a Coréia, Manchúria, China, Vietnã, Polinésia, e outras áreas. Jovens a ponto de irem para a guerra vinham a Funakoshi para aprender a lutar, assim eles poderiam sobreviver ao recrutamento nas Forças Armadas Japonesas. O seu número de alunos aumentou bastante.
Em 1926 Gichin Funakoshi publica, através da Editora Kobundo, uma segunda edição do seu primeiro livro, desta vez sob a designação de: "Rentan Goshin To-de Jutsu" (as "placas de impressão" originais do seu primeiro livro tinham sido destruídas no terremoto de 1923).
A 20 de Março de 1928 Gichin Funakoshi realiza uma demonstração de To-de (Okinawa-te) no Sainei-kan do Palácio Imperial, em Tóquio.
Ainda em 1928 recebe a visita de Kenwa Mabuni, e no ano seguinte de Chojun Miyagi , que efetuam as suas primeiras viagens a Tóquio. Na altura Funakoshi tem já 61anos e Miyagi surpreende-se com as condições extremamente modestas em que o encontra.
No início da década de 30 assiste-se à abertura de clubes de To-de (Okinawa-te) em várias universidades: Takushoku, Chuo, Shodai (agora chamada Hitotsubashi), Waseda, Hosei, Gakushuin, Nihon e Meiji. Gigo Funakoshi começa, a pedido de seu pai, a tomar alguma liderança das aulas de karate nas universidades, especialmente em Waseda.
Dentre os inúmeros discípulos de Funakoshi que aderem ao estudo da arte de Okinawa há a destacar dois nomes e duas datas :- Shigeru Egami que começa a treinar em 1931 na Universidade de Waseda, ajudando a fundar o Clube de Karatê local;- Masatoshi Nakayama que inicia a sua prática em 1932 enquanto aluno da Universidade de Takushoku.Neste período Gichin Funakoshi terá tido também os primeiros contactos com Morihei Ueshiba, quer freqüentando alguns dos seus Seminários especiais, quer trocando opiniões pessoais com este acerca da essência do Budo.
Em 1933 Gichin Funakoshi desenvolveu exercícios básicos para prática das técnicas em duplas. Tanto o ataque de cinco passos (Gohon Kumite) como o de um (Ippon Kumite) foram usados, passa a dar mais ênfase à prática do combate no Karatê, criando o Kihon Ippon Kumite.
Em 1934 os alunos de Funakoshi sob a orientação de Takeshi Shimoda - considerado o seu mais talentoso estudante e conhecedor de Kendo e Ninjutsu (escola Nen Ryu) - realizam uma digressão pela área de Kyoto-Osaka e pela ilha de Kyushu. Logo após a digressão Shimoda contrai uma pneumonia e, poucos dias depois, morre. Após a morte de Takeshi Shimoda, Gichin Funakoshi nomeia como principal assistente seu filho Gigo Funakoshi , que entretanto obtivera o título de Renshi da Butokukai.
Ainda no mesmo ano Gigo Funakoshi introduz o Jiyu Ippon Kumite (kumite semi-livre). Hironori Ohtsuka abandona o grupo de Funakoshi , abre um dojo em Tóquio e começa a ensinar a sua arte conciliando a atividade pedagógica com a sua profissão de médico. O tipo de prática que propõe - incorporando exercícios de combate e técnicas de Jiu-jitsu - constitui uma alternativa ao método de Gichin Funakoshi . Gera-se a primeira cisão na prática do Karatê, havendo vários grupos universitários que aderem ao método de Ohtsuka, que em breve será denominado Wado-ryu.
Em 1935 Kichinosuke Saigo, importante figura política da época e um dos mais antigos alunos de Gichin Funakoshi , cria um comitê que se propõe, como primeira tarefa, a construção do primeiro dojo de karate no Japão. Esse comitê é considerado o embrião da Associação Shoto (Shotokai).
Nesse mesmo ano Gichin Funakoshi publica a sua obra fundamental "Karate-do Kyohan" (conhecida internacionalmente como "O Texto do Mestre"). Nessa obra Funakoshi propõe oficialmente a modificação do kanji "To" - associado à dinastia chinesa Tang, e que significa "antigo" - pelo Kanji "Ku" que significa "vazio". Uma vez que ambos os Kanji também se podem pronunciar "Kara" a forma verbal continua inalterada. Karatê deixa então de significar "a mão antiga" ou "chinesa" e passa a ser conhecido como o caminho das mãos vazias.
Ainda em 1935 Gigo Funakoshi introduz a prática do Jiyu Kumite ("kumite livre") e, com o apoio de Shigeru Egami e Genshin Hironishi, entre outros, desenvolve novas técnicas de pernas como: Yoko Geri (Kekomi e Keage), várias formas de Mawashi-Geri, Fumikomi e Ushiro-Geri. As posições de base tornam-se mais baixas que as tradicionais.
Na Primavera de 1936 a recolha de fundos iniciada no ano anterior por Kichinosuke Saigo dá os seus frutos e o dojo de Funakoshi começa a tornar-se uma realidade, ali se realizando desde logo as primeiras aulas. Na porta de entrada é colocada uma placa com o nome "Shotokan" - a "casa" de Shoto - designação escolhida pelos alunos de Gichin Funakoshi em homenagem ao Mestre, que costumava assinar os seus poemas com o pseudônimo "Shoto" (literalmente: "ondulação dos pinheiros").
A 1 de Março de 1938 conclui-se a construção do dojo Shotokan. Com a materialização do Shotokan, corporiza-se o "espírito do grupo" criado em 1935 por Kichinosuke Saigo para o desenvolvimento dos ideais de Gichin Funakoshi . Esse grupo designado Shotokai - Associação Shoto - passará a ser, por assim dizer, a "alma" do Shotokan - a Casa de Shoto.
Em 1939 Gichin Funakoshi e Kenwa Mabuni inscrevem as suas respectivas escolas de Karatê no Butokukai. Após se terem submetido a exame, na mesma sessão, a eles foram concedidos o grau Renshi.
Em 1940 Gichin Funakoshi proíbe os seus alunos de executarem Jiyu Kumite ("combate livre") por verificar que, em parte devido ao fervor nacionalista e também pelo desejo de competição, essa prática induz a um espírito de violência contrário à essência do Budo.
Funakoshi era Taoísta, e ele ensinava Clássicos Chineses, como o Tao Te Ching de Lao Tzu, enquanto ele estava vivendo em Okinawa. Funakoshi era profundamente religioso. Ele tinha muito medo de que o Karatê se tornasse um instrumento de destruição, e provavelmente queria eliminar do treinamento algumas aplicações mortais dos Kata. Então, ele parou de fazer essas aplicações. Ele também começou a desenvolver estilos de luta que fossem menos perigosos. Funakoshi teve sucesso ao remover do Karatê técnicas de quebras de juntas, de ossos, dedos nos olhos, chaves de cotovelo, esmagamento de testículos, criando um novo mundo de desafios e luta em equipe onde somente umas poucas técnicas seriam legais. Ele fez isso baseado nos seus propósitos e com total conhecimento dos resultados.
Em Dezembro de 1943 Gichin Funakoshi publica "Karate-do Nyumon". Crê-se que o seu filho Yoshitaka Funakoshi tenha colaborado ativamente com seu pai na elaboração da parte técnica do livro, conjuntamente com Wado Uemura e Yoshiaki Ayashi.
A necessidade de um treinamento nas artes militares estava em crescimento. Jovens estavam se amontoando no Dojo, vindos de todas as partes do Japão. O Karate foi de carona nessa onda de militarismo e estava desfrutando de uma aceitação acelerada como resultado. Finalmente o Japão cometeu um grande erro. O bombardeio das forças navais americanas em Pearl Harbor a 7 de Dezembro de 1941 foi algo além da conta. Numa tentativa de prevenir que as embarcações americanas bloqueassem a importação japonesa de matéria-prima, os japoneses tentaram remover a frota americana e varrer a influência Ocidental do próprio Oceano Pacífico. O plano era bombardear os navios de guerra e os porta-aviões que estavam no território do Hawaii. Isto deixaria a força da América no Pacífico tão fraca que a nação iria pedir a paz para prevenir a invasão do Hawaii e do Alasca. Infelizmente, o pequeno Japão não tinha os recursos, força humana, ou a capacidade industrial dos Estados Unidos. Com uma mão nas costas, os americanos destruíram completamente os japoneses na Ásia e no Pacífico.
O ano de 1945 vai revelar-se um ano terrível para Gichin Funakoshi . A 10 de Março entre as 2 e as 3 da manhã o Shotokan e a residência anexa da família Funakoshi , anexa ao dojo, são destruídos durante os bombardeamentos de Tóquio. Gichin Funakoshi é acolhido pelo filho mais velho Yoshihide, passando a residir na casa deste situada no bairro Koishikawa em Tóquio.
No final desse ano Gigo Funakoshi morre na seqüência de uma prolongada doença pulmonar. O funeral ocorre a 24 de Novembro.
Uma das vítimas dos ataques aéreos foi o Shotokan Karate Dojo que havia sido construído em 1939. Com a América exercendo pressão em Okinawa, a esposa de Funakoshi finalmente iria deixar a ilha e juntar-se a ele em Kyushu no Sul do Japão. Eles ficaram lá até 1947. Os americanos destruíram tudo que estava em seu caminho. As ilhas foram bombardeadas do ar, todas as cidades queimadas até o fim, as colinas crivadas de balas pelos cruzadores de guerra de longe da costa, e então as tropas varreram através da ilha, cercando todo mundo que estivesse vivo. A era dourada do Karatê em Okinawa tinha acabado.
Todas as artes militares haviam sido banidas rapidamente pelas forças ocupantes americanas. Primeiro uma, depois outra bomba atômica explodiram sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki. Três dias depois, bombardeiros americanos sobrevoaram Tokyo em tal quantidade que chegaram a cobrir o Sol. Tokyo foi bombardeada com dispositivos incendiários. Descobrindo que o governo do Japão estava a ponto de cometer um suicídio virtual sobre a imagem do Imperador, cartas secretas foram passadas para os japoneses garantindo sua segurança se eles assinassem sua "rendição incondicional".
A esposa de Gichin Funakoshi que lograra sobreviver à destruição de Okinawa, deixa a sua região natal e reúne-se ao marido em Oita, Kyushu, onde passam a viver em condições muito difíceis.
No final do Outono de 1947 a esposa de Gichin Funakoshi morre devido a uma crise de asma. Logo após, Funakoshi regressa a Tóquio, voltando para casa do seu filho mais velho Yoshihide. Durante a longa viagem Funakoshi recebe ovações de alunos que o esperam em muitas das estações onde o comboio pára. Encorajado pelos discípulos organiza, ainda em 1947, uma grande demonstração de Karate em Tóquio.
Em 1° de Maio de 1949, os alunos de Funakoshi movem-se para organizar todos os clubes de Karate universitários e privados numa simples organização, e eles a chamaram de Nihon Karatê Kyokai (Associação Japonesa de Karate), conhecida internacionalmente por Japan Karate Association - JKA. Eles nomearam Funakoshi seu instrutor chefe. Em 1955, um dos alunos de Funakoshi consegue arranjar um Dojo para a NKK.Em 1951 e apesar da idade avançada (mais de 80 anos) Gichin Funakoshi continua a ensinar, quase exclusivamente Kata, nas universidades de Waseda, Keio, Hosei, Chuo, Hitotsubashi e Gakushin e, ainda, no Colégio Japonês de Medicina, Colégio Nacional de Educação Física (Nikaido) e nas Academias Naval e Militar.
A 13 de Outubro de 1956 Gichin Funakoshi termina o Prefácio da segunda edição de Karate-do Kyohan, lamentando-se do "quase irreconhecível estado espiritual a que chegou o mundo do Karatê atual" e apela a quem possa "compreender os seus anseios profundos (...) de forma a completar os objetivos do trabalho".Isao Obata, Hiroshi Noguchi, Genshin Hironishi e outros "homens de confiança" de Gichin Funakoshi , provenientes da "linha tradicional" do karatê, abandonam a JKA. Com o apoio do próprio Gichin Funakoshi , que assume a presidência da organização, e de Shigeru Egami, o mais próximo discípulo de Funakoshi nos últimos anos de vida, formalizam a Nihon Karate-do Shotokai.
A 26 de Abril de 1957 morre Gichin Funakoshi . o "Pai do Karate Moderno".
O filho primogênito - Yoshihide - decide organizar o funeral com o apoio da Nihon Karate-do Shotokai e dos amigos mais próximos da família Funakoshi , nomeadamente: Shigeru Egami (que estivera, conjuntamente com a família, junto ao leito do Mestre quando este exalara o último suspiro), Genshin Hironishi e Motohiro Yanagisawa.A JKA discorda da decisão de Yoshihide Funakoshi e afirma recusar-se a participar no funeral de Gichin Funakoshi caso não lhe seja permitido organizar o funeral. Promove-se uma reunião de emergência entre a Nihon Karate-do Shotokai e a Nihon Karate Kyokai (JKA). Não tendo sido possível consenso entre ambas as partes conclui-se que a decisão de participação no funeral de Mestre Funakoshi competirá à consciência pessoal de cada um dos seus alunos.
No dia do funeral de Gichin Funakoshi verifica-se que apenas comparecem os grupos universitários ligados ao Shotokai - Chuo, Senshu, Toho, Gakushuin e Tokyo Noko. O grupo universitário de Waseda hesita mas acaba por participar (por insistência do Presidente da Universidade - Dr. Nobumoto Ohama, um amigo e conterrâneo de Funakoshi). Infelizmente a grande maioria dos alunos de Gichin Funakoshi , especialmente os mais ligados à JKA, não comparecem ao funeral do Mestre.
Em seu túmulo negro, em forma de cruz, estão as palavras"Karate Ni Sente Nashi" (No Karate não existe atitude ofensiva).Em Junho desse mesmo ano, a JKA organiza, no maior espaço coberto japonês para a prática desportiva - o Ginásio Metropolitano de Tóquio - o primeiro All Japan Karate-do Championship Tournament, trata-se da primeira competição pública de Karate no Japão.
Em 1957, Funakoshi tinha 89 anos de idade. Ele foi um professor de escola primária e um estudante de Karatê. Ele mudou-se para o Japão (e não é um pequeno ato de coragem) e trouxe o Karatê consigo em 1922, dando ao Japão algo de Okinawa com seu próprio jeito pacifista.
No processo, ele perdeu um filho, sua esposa, o prédio que seus alunos fizeram para ele, seu lar, e qualquer esperança de uma vida pacífica. Ele suportou uma Guerra Mundial que resultou em calamidade nacional, e ele treinou seus jovens amigos e conheceu suas famílias apenas para vê-los irem lutar e serem mortos pelas forças invencíveis dos Estados Unidos.
Ele viu o Japão queimar, ele viu os antigos templos e santuários serem totalmente aniquilados, ele viu bombardeiros enegrecerem o sol, e ele viu como um pilar de fumaça negra subia de cada cidade no Japão e envenenava o ar que ele respirava. Ele viu o Japão cair da glória para uma nação miserável, dependendo de suprimentos de comida e roupas dos seus conquistadores.
O cheiro da fumaça e o cheiro dos mortos, os berros daqueles que foram deixados para morrer lentamente, o choro das mães que perderam seus filhos e esposas que nunca mais iriam ver seus maridos, o medo, o ruído ensurdecedor dos B-29's voando sobre sua cabeça aos milhares, os clarões como os de trovões por todo o país quando as bombas explodiam em áreas residenciais, os flashes de luz na escuridão, a espera no rádio para poder ouvir a voz do Imperador pela primeira vez, somente para anunciar a rendição, a humilhação de implorar comida aos soldados os intermináveis funerais e famílias arruinadas e lares destruídos.
A lição mais importante que ele nos ensinou está expressa na história do modo que ele passou pelo Dojo principal de Jigoro Kano, o fundador do Judô. Caminhando pela rua, ele parou e fez uma pequena prece quando passou pelo Kodokan. E, se estivesse dirigindo um carro, ele tiraria seu chapéu quando passasse pelo Kodokan. Seus alunos não entenderam porque ele estaria rezando pelo sucesso do Judô. Ele explicou: "Eu não estou rezando pelo Judô. Eu estou oferecendo uma prece em respeito ao espírito de Jigoro Kano. Sem ele, eu não estaria aqui hoje".

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